quarta-feira, 22 de abril de 2015

E se a empresa não consegue cumprir a cota para deficientes por faltar pessoal qualificado no mercado? E se a condição de deficiente não permite o exercício pleno da profissão?

O artigo de hoje é uma resposta ao comentário do usuário Ernani Filho, publicado em outro artigo de minha autoria, cujo título é: “A demissão sem justa causa de empregado portador de deficiência só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante?

O comentário foi o seguinte:


“Trabalho em uma empresa de Segurança Patrimonial, onde a maior parte (95 %) do contingente trabalha de Vigilante em grandes empresas.
O Vigilante praticamente exerce o papel de Polícia numa empresa, como contratar deficientes para esse cargo com risco de vida?
Pois o Ministério do Trabalho impôs um prazo para adequação e caso não se cumpra, a multa é bem salgada.
Porém encontramos dificuldades até agora.
No curso de Vigilante (obrigatório para o exercício da função) não entram deficientes pois é necessário teste de aptidão física.
Teríamos que demitir o nosso quadro todo do Administrativo, entre eles gerentes e coordenadores, para alcançar a cota.
O que fazer?
O Governo contrata alguns deficientes para área administrativa de sua Polícia, mas não aceita no seu quadro de frente um Policial deficiente, imaginem um PM de cadeira de rodas na UPP do Morro do Alemão?
Mas exige dos empresários.”


Para a análise do caso, primeiramente irei transcrever os dispositivos legais relevantes ao caso:


Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados...........................................................................................2%;

II - de 201 a 500......................................................................................................3%;

III - de 501 a 1.000..................................................................................................4%;

IV - de 1.001 em diante. .........................................................................................5%.

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.

Art. 133. A infração a qualquer dispositivo desta Lei, para a qual não haja penalidade expressamente cominada, sujeita o responsável, conforme a gravidade da infração, à multa variável de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) a Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros).


De acordo com a PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 13, DE 09 DE JANEIRO DE 2015 - DOU DE 12/01/2015, art. 8º, IV o valor da multa para o descumprimento da cota para deficientes varia de R$ 1.925,81 (um mil novecentos e vinte e cinco reais e oitenta e um centavos) a R$ 192.578,66 (cento e noventa e dois mil quinhentos e setenta e oito reais e sessenta e seis centavos); O valor de R$ 1.925,81 é para cada trabalhador que deixar de ser contratado, podendo a multa chegar ao valor de R$ 192.578,66.

Veja, caro leitor, que a imposição da multa em tais valores pode acarretar o encerramento da empresa. Ocorre que muitos empresários argumentam que não há profissionais portadores de deficiência qualificados em número suficiente no mercado para cumprir a cota. Neste caso, os Tribunais vem entendendo que se a empresa realizou todos os esforços para atender ao comando de reserva de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, mas houve carência de profissionais habilitados, o integral cumprimento da cota não é necessário. (fonte)

Para ficar comprovada a falta de profissionais, a empresa deve demonstrar que houve interesse em atender à norma legal. Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região proferiu acórdão interessante, o qual fixa parâmetros para a comprovação do referido interesse:


"Por unanimidade de votos, dar parcial provimento ao recurso do autor para condenar a ré a comprovar trimestralmente ao Ministério Público do Trabalho, Procuradoria de Pelotas-RS, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por vaga não preenchida em cada trimestre descumprido pelo período de 02 anos, ou até o preenchimento da cota que estabelece o art. 93, da Lei 8.213/91: a) a manutenção das ações noticiadas nos autos para divulgação das vagas para pessoas com deficiência (anúncios semanais em dois jornais locais; divulgação em rádios, informações ao SINE, divulgação em adesivos nos ônibus da empresa); b) o contato regular com no mínimo três instituições, governamentais ou não, de apoio a pessoas com deficiência, informando acerca da existência de vagas, bem como com o setor de reabilitação profissional do INSS; c) o estabelecimento, diretamente ou por meio de convênios, de programas de formação profissional para pessoas com deficiência; d) flexibilização das exigências genéricas para a contratação de empregados. Em caso de incidência da multa, esta deverá ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Valor da condenação fixado em R$ 20.000,00, e custas de R$ 400,00, pela requerida."

(TRT-4 - RO: 00013133620105040122 RS 0001313-36.2010.5.04.0122, Relator: MARIA HELENA LISOT, Data de Julgamento: 17/10/2012, 2ª Vara do Trabalho de Rio Grande)


E em relação às empresas de segurança e construção civil, por exemplo, tendo em vista que em certos ramos de atividade a condição de deficiente não permite o exercício pleno da profissão?

De acordo com notícia publicada pelo portal de notícias CONJUR, “os magistrados tem decidido que o número de funcionários de cada empresa deve ser calculado excluindo os cargos que a condição de deficiente não deixa a oportunidade de exercício pleno da profissão.


Um exemplo disso é a decisão do eminente desembargador André R.P.V. Damasceno, do TRT de Brasília, o processo 0437-2007-018.10.00.1, que assim decidiu:

“Empresas de vigilância privada. Vagas destinadas a deficientes físicos. Artigo 93, da Lei 8.213/91. Cálculo do percentual. Incidência sobre o efetivo das empresas, excluídos os empregos de vigilância. A empresa que contar com 100 ou mais trabalhadores deverá obedecer a um percentual de empregados portadores de necessidades especiais, segundo estabelece o caput do art. 93 da lei 8.213/91. Contudo, tal dispositivo de lei deve ser interpretado levando-se em consideração as peculiaridades materializadas no caso concreto. As empresas de vigilância privada são regidas pela lei 7.102/83 que traz normas especificas para o exercício da profissão de vigilante, sendo obrigatória a aprovação em curso de formação de vigilante, envolvendo matérias relativas à defesa pessoal, armamento e tiro, entre outras, além de aprovação de exames de saúde física, mental e psicotécnico. É de se notar que as habilidades exigidas no curso de qualificação para vigilantes revelam-se incompatíveis com as restrições de uma pessoa portadora de necessidades especiais, defendo o cálculo de percentual a que alude o referido dispositivo de lei incidir sobre o efetivo das empresas de vigilância excluídos os empregos de vigilante”.


Ressalto que em entendimento diametralmente oposto, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região se manifestou:


EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - SISTEMA DE COTAS PREVISTO NO ART. 93 DA LEI 8.213/91 - INOBSERVÂNCIA - AUTUAÇÃO PELO AUDITOR FISCAL DO MINISTÉRIO DO TRABALHO - LEGALIDADE.

(...) O percentual previsto na norma aplica-se sobre o número total de empregados da empresa, e não sobre esse universo, excluídas funções ou cargos para os quais haja incompatibilidade com a deficiência física. A leitura atenta da norma autoriza a conclusão de que a base de incidência do percentual será, sempre, a totalidade do número de empregados, não comportando qualquer ilação no sentido de excluir os cargos para os quais a deficiência física possa constituir óbice ao seu desempenho. Tal fato – a incompatibilidade - apenas implica o dever de a empresa integrá-lo ao quadro, alocando-o em função/cargo compatível com a sua deficiência. (...)
(TRT-3 RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA : RO 00535201102403005 0000535-62.2011.5.03.0024, Relator: Julio Bernardo do Carmo, Quarta Turma)


Pessoalmente, filio-me ao entendimento do TRT 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins) anteriormente citado, de modo que o número de funcionários de cada empresa deve ser calculado excluindo os cargos que a condição de deficiente não deixa a oportunidade de exercício pleno da profissão.

Imaginemos a seguinte situação: a empresa possui 501 funcionários: 481 seguranças, os quais necessitam de treinamento intenso, incompatíveis com as restrições de uma pessoa portadora de necessidades especiais, e 20 funcionários da área administrativa. Em tese, deveria haver no mínimo 4% dos empregados reabilitados ou portadores de deficiência, ou seja, 21 empregados. Veja: todos os funcionários da área administrativa deveriam ser reabilitados ou portadores de deficiência, mas ainda sobraria 1 funcionário que não haveria como alocá-lo na área fim da empresa. O que fazer?

É por este motivo que o entendimento do TRT da 10ª Região se mostra mais razoável, ao meu ver.

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