quinta-feira, 30 de abril de 2015

Como dotar o recurso trabalhista de efeito suspensivo?

Via de regra, o recurso trabalhista não é dotado de efeito suspensivo:

CLT Art. 899 - Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora.

Logo, é natural que surja o questionamento: como dotar o recurso de efeito suspensivo, se houver plausibilidade do direito alegado e possibilidade de dano de difícil reparação?

Primeiramente, deve-se frisar que o processo civil tem utilização subsidiária no processo do trabalho, conforme art. 769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”

Portanto, em tese, poderíamos ajuizar ação cautelar inominada, ex vi do art. 798 do CPC:

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

Esta é a posição do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho:

Súmula nº 414 do TST

MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (OU LIMINAR) CONCEDIDA ANTES OU NA SENTENÇA (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 50, 51, 58, 86 e 139 da SBDI-2) - Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005

I - A antecipação da tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso. (ex-OJ nº 51 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)
(...)

Por fim, a ação cautelar deve ser interposta no juízo de primeiro grau ou diretamente no Tribunal competente? O Código de Processo Civil é claro: deve ser impetrada no Tribunal:

Art. 800. As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal.

Parágrafo único. Interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)


Leituras adicionais: Link1, Link2

terça-feira, 28 de abril de 2015

Competência para julgamento de causas que versam sobre previdência complementar privada. Prescrição: atinge o fundo de direito?

Conforme notícia publicada no portal do Supremo Tribunal Federal na internet, 

“Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (20) que cabe à Justiça Comum julgar processos decorrentes de contrato de previdência complementar privada. A decisão ocorreu nos Recursos Extraordinários (REs) 586453 e 583050, de autoria da Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros) e do Banco Santander Banespa S/A, respectivamente. A matéria teve repercussão geral reconhecida e, portanto, passa a valer para todos os processos semelhantes que tramitam nas diversas instâncias do Poder Judiciário.



O Plenário também decidiu modular os efeitos dessa decisão e definiu que permanecerão na Justiça do Trabalho todos os processos que já tiverem sentença de mérito até a data de hoje. Dessa forma, todos os demais processos que tramitam na Justiça Trabalhista, mas ainda não tenham sentença de mérito, a partir de agora deverão ser remetidos à Justiça Comum.

O ministro Marco Aurélio foi o único divergente nesse ponto, porque votou contra a modulação.”


Frise-se que como o STF modulou os efeitos de sua decisão, se os processos foram sentenciados até a data de 20/02/2013 permanecerão com a Justiça Trabalhista. Caso contrário, deverão ser remetidos à Justiça Comum (Estadual ou Federal) competente.

Tal entendimento é oposto ao anteriormente firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho. Este inclusive editou súmulas a respeito do tema, como as súmulas 288, 313, 326, 327 e 332.

A título de curiosidade, vale a penar analisar as súmulas mais relevantes a respeito do tema:

Súmula nº 288 do TST 



COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA (inserção do item II à redação) - Res. 193/2013, DEJT divulgado em 13, 16 e 17.12.2013

I - A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.

II - Na hipótese de coexistência de dois regulamentos de planos de previdência complementar, instituídos pelo empregador ou por entidade de previdência privada, a opção do beneficiário por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do outro.


A súmula se baseia no princípio da proteção ao trabalhador, mais especificamente no princípio da condição mais benéfica, como explicado em artigo de minha autoria, cujo título é: “Você sabe como a Pirâmide de Kelsen é aplicada no Direito do Trabalho? Já ouviu falar em Teoria do Conglobamento? Teoria da Acumulação? Entenda!"

Súmula nº 327 do TST



COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. DIFERENÇAS. PRESCRIÇÃO PARCIAL (nova redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 
A pretensão a diferenças de complementação de aposentadoria sujeita-se à prescrição parcial e quinquenal, salvo se o pretenso direito decorrer de verbas não recebidas no curso da relação de emprego e já alcançadas pela prescrição, à época da propositura da ação.

Súmula nº 326 do TST



COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO TOTAL (nova redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 
A pretensão à complementação de aposentadoria jamais recebida prescreve em 2 (dois) anos contados da cessação do contrato de trabalho.


Para a devida compreensão das súmulas, há que se diferenciar a prescrição das obrigações de trato sucessivo daquela que atinge o denominado “fundo de direito”.

Nas obrigações de trato sucessivo, renova-se a obrigação de tempo em tempo. Logo, infere-se que nas obrigações de trato sucessivo recomeça novo prazo, cada vez que surge a obrigação seguinte.

De acordo com parte da doutrina, as obrigações de trato sucessivo são aquelas decorrentes de uma situação jurídica fundamental já reconhecida.

Porém, se a a situação jurídica fundamental for negada, a prescrição atingirá o fundo de direito, de modo que decorrido o prazo prescricional a partir do fato do qual se originou o direito, a pretensão para reaver valores é aniquilada.

Um exemplo prático para entendermos melhor a diferença: imagine que João nunca recebeu valores relativos à plano de previdência privada. Passaram-se seis anos desde o dia em que deveria ter começado a receber os valores do plano. Porém, só agora João só requereu o início da concessão dos valores referentes à previdência privada, mais as parcelas dos últimos cinco anos. A questão é: incide no caso a prescrição do fundo de direito, uma vez que até agora não houve reconhecimento de seu direito ao recebimento do benefício previdenciário, ou incide prescrição somente em relação às parcelas que ultrapassarem o prazo prescricional? Para o TST, a prescrição incide sobre o fundo de direito, pois não houve reconhecimento expresso do direito fundamental de João. Para o STJ, não há que se falar em prescrição de fundo de direito, pois ainda não houve negativa da empresa de previdência privada em relação ao seu direito em receber o benefício.

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - PARCELA JAMAIS RECEBIDA - PRESCRIÇÃO TOTAL . Tratando-se de complementação de aposentadoria nunca paga à ex-empregada e oriunda de norma regulamentar, a prescrição aplicável à pretensão é a total, atingindo o fundo de direito. Incide a Súmula nº 326 do TST. Agravo de instrumento desprovido.
(TST - AIRR: 1678004120005150089  167800-41.2000.5.15.0089, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 26/08/2009, 1ª Turma,, Data de Publicação: 04/09/2009)

ADMINISTRATIVO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO NÃO CONFIGURADA. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. SÚMULA 85 DO STJ. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA CONTINUIDADE DO JULGAMENTO DA DEMANDA. 1. A pretensão da recorrente é a implementação de uma vantagem pecuniária em suas complementações de aposentadorias e pensão. Trata-se de parcelas de trato sucessivo, onde a não concessão, renova, mês a mês, a violação do suposto direito. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, inexistindo manifestação expressa da Administração Pública negando o direito reclamado, não ocorre a prescrição do chamado fundo de direito, mas tão somente das parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu à propositura da ação, ficando caracterizada relação de trato sucessivo (Súmula 85/STJ). Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no REsp: 1517623 SP 2015/0044374-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 14/04/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/04/2015)

Súmula 85 do STJ:
“Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.”

Se já houve pagamento, mas a menor, o direito à complementação da aposentadoria já foi reconhecido. O que se discute é seu valor e não o fundo de direito. Aqui temos unanimidade. A prescrição é parcial e não total.

domingo, 26 de abril de 2015

Desvio e Acúmulo de Função: o que são e o que acarretam.

O desvio de função caracteriza-se quando o funcionário realiza função não prevista em seu contrato de trabalho. É o caso, por exemplo, de ser contratado como vendedor e nas férias do gerente o substituir, sem adicional salarial.

Já o acúmulo de função ocorre quando o trabalhador, além de suas atividades ordinárias, executa tarefas diversas das quais foi contratado.

Tanto o acúmulo quanto o desvio de função ensejam adicional salarial, tendo em vista que sua não concessão acarreta o enriquecimento ilícito do empregador, nos termos dos seguintes dispositivos legais:

CC Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.


CLT Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.


Não obstante, deve ficar claro que via de regra o empregado se obriga a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal, nos termos da CLT:

Art. 456. Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.


Porém, a prova de que o empregado não se obrigou a qualquer serviço compatível com sua condição pessoal não decorre unicamente de cláusula escrita ou acordo expresso com o empregador.

A título de exemplo, mesmo que não conste no contrato de trabalho, de acordo com a organização de um supermercado, a condição de embalador não se compatibiliza com a atividade de gerência sem o devido plus salarial.

Por outro lado, “se o técnico em enfermagem tiver que procurar prontuários, digitar laudos, organizar consultórios de médicos, atender telefone e marcar consultas, a primeira vista não parece pressupor desvio de atividade, por serem tarefas compatíveis com a função." Assim entendeu a juíza Julieta Pinheiro Neta, ao responder os questionamentos de trabalhadores no seguintes endereço eletrônico: Link.

Isto se dá pois no primeiro caso o trabalhador exerceu atividade mais qualificada, além da maior responsabilidade pelo exercício da função.

A jurisprudência das Cortes Trabalhistas reafirmam a posição acima adotada:


ACUMULO DE FUNÇÕES. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. Para a configuração do acúmulo de funções, é imperiosa a comprovação de que a função acometida ao empregado não comporta a atividade exercida, de acordo com a estrutura organizacional da empresa. Não havendo esta comprovação, aplica-se o teor do parágrafo único do artigo 456 da CLT, presumindo-se que o obreiro obrigou-se a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

(TRT-5 - RecOrd: 00008303420135050102 BA 0000830-34.2013.5.05.0102, Relator: LÉA NUNES, 3ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 05/09/2014.)


ACÚMULO DE FUNÇÕES. ADICIONAL. De acordo com a literatura jurídica, caracteriza-se o acúmulo de funções quando um trabalhador tem de executar tarefas que não se relacionam com o cargo para o qual foi contratado, além das tarefas rotineiras de sua profissão, e, por esse motivo, o trabalhador tem direito a receber um adicional denominado plus salarial, cujo valor a ser arbitrado pelo magistrado que levará em conta o princípio da razoabilidade, de modo que haja equilíbrio entre os serviços prestados e a contraprestação alusivo ao exercício de tarefas alheias àquelas inerentes à função para a qual foi contratado o obreiro, sob pena de causar o enriquecimento ilícito do empregador.(...)

(TRT-14 - RO: 670 RO 0000670, Relator: DESEMBARGADORA MARIA CESARINEIDE DE SOUZA LIMA, Data de Julgamento: 10/08/2011, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DETRT14 n.149, de 12/08/2011)

Além disso, não se faz necessária a existência de quadro de pessoal organizado em carreira na empresa: basta que haja a modificação das atribuições originalmente conferidas ao empregado, destinando-lhe atividades, em geral, mais qualificadas:

RECURSO DE REVISTA. DESVIO DE FUNÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. QUADRO DE PESSOAL . ORGANIZAÇÃO EM CARREIRA. DESNECESSIDADE 1. A configuração do desvio de função pressupõe tão somente a constatação de modificação, pelo empregador, das atribuições originalmente conferidas ao empregado, destinando-lhe atividades, em geral, mais qualificadas, sem a respectiva contrapartida remuneratória. 2. A inexistência de quadro de pessoal organizado em carreira na empresa obsta o reenquadramento, mas não impede a concessão de diferenças salariais decorrentes do desvio de função . Precedentes. 3. Recurso de revista da Reclamada não conhecido, no particular. (...)
(TST - RR: 9561120135040103 , Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 25/03/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/03/2015)

RECURSO DE REVISTA. DESVIO DE FUNÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. AUSÊNCIA DE QUADRO DE CARREIRA. Há desvio de função quando o empregador modifica as funções originais do empregado, destinando-lhe atividade mais qualificada sem a remuneração correspondente. Tal procedimento, enquanto vulnera o caráter sinalagmático do contrato individual de trabalho, redunda em locupletamento ilícito da empresa. Embora o fenômeno se configure, em regra, quando da existência de plano de cargos e salários ou de quadro organizado em carreiras, poderá ocorrer, também, quando se evidenciar a existência de organização empresarial semelhante a plano formal, onde estabelecidos títulos e hierarquia para as diversas funções de que necessita o empregador, com salários pertinentes a cada qual (incidência da garantia inscrita no art. 7º, XXX, da Constituição Federal). O direito do trabalho é inspirado pelo princípio da realidade, desconsiderando registros formais, para valorizar a efetividade dos fatos (CLT, art. 444). Por outro lado, o art. 460 da CLT é definitivo, quando dispõe que -na falta de estipulação do salário ou não havendo prova sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante- . Comprovado o desempenho de funções diversas daquelas para as quais fora originalmente contratado, faz jus o trabalhador ao recebimento das diferenças salariais postuladas. Recurso de revista conhecido e provido.

(TST - RR: 101634120135030142 , Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 24/09/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/09/2014)

No caso do exercício eventual de função diversa da contratada, o acréscimo salarial não é devido:


PEDIDOS DE DIFERENÇAS SALARIAIS. IMPROVIMENTO. SUBSTITUIÇÕES EVENTUAIS NÃO CONFIGURAM ACUMULO DE FUNÇÃO. "O labor em atividades que não são inerentes ao cargo exercido pelo empregado, somente se configura como acumulo de função, quando não eventual essa atuação. Durante quase toda a relação de emprego o recorrente não executou outras atribuições que não fossem aquelas inerentes a um ajudante de depósito, entretanto, à partir de 2003, quando houvera mudança na gerencia da empresa, o reclamante, eventualmente substituía caixas em horário de almoço e efetuava depósitos bancários. Recurso a que se nega provimento."

(TRT-5 - RO: 60001520085050311 BA 0006000-15.2008.5.05.0311, Relator: MARIA ADNA AGUIAR, 5ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 17/02/2009)

Surge dúvida interessante: Se houver desvio de função por tempo considerável, o empregado tem direito ao enquadramento na nova função? O Tribunal Superior do Trabalho entende que não: o trabalhador terá direito apenas às diferenças salariais respectivas:


OJ SBDI-1 125. DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA (alterado em 13.03.2002)

O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

A caracterização do Grupo Econômico e sua importância para o Direito do Trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho define o conceito de grupo econômico:

"Art. 2º § 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas."

O grupo econômico pode ser de fato ou de direito.

Os grupos de direito são constituídos mediante convenção grupal firmada pelas pessoas jurídicas que o integrarão, enquanto os grupos de fato decorrem do mero exercício do poder de controle, direta ou indiretamente, pela empresa controladora sobre as controladas. (fonte

GRUPO ECONÔMICO DE FATO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Caracteriza-se o grupo econômico de fato quando duas empresas, embora formalmente independentes, se dedicam a mesma atividade econômica e funcionam com estruturas e objetivos comuns.
(TRT-1 - RO: 00009727820125010039 RJ , Relator: Monica Batista Vieira Puglia, Data de Julgamento: 24/06/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 10/07/2014)

TRT-PR-20-01-2009 GRUPO ECONÔMICO DE FATO - RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA - Havendo estreitas ligações comerciais entre as rés, ingerência, uma empresa agindo como integrante da outra, funcionando no mesmo estabelecimento, utilização comum da prestação de serviços do obreiro, resta caracterizado o grupo econômico de fato, ainda que isso não se reflita nos contratos sociais. Reconhecido o grupo econômico, nos termos do art. 2º, § 2º da CLT, impõe-se a responsabilização dos reclamados de forma solidária.
(TRT-9 19102006651906 PR 1910-2006-651-9-0-6, Relator: CELIO HORST WALDRAFF, 1A. TURMA, Data de Publicação: 20/01/2009)


O grupo econômico poderá ser horizontal ou vertical. O grupo vertical se caracteriza pela hierarquia entre as empresas do grupo, em que há uma que exerce o controle das demais. Já em relação ao grupo horizontal, este se justifica pela unidade de objetivos dos componentes: há uma direção única, todavia não concentrada, mas distribuída entre os integrantes do grupo que se relacionam de forma horizontal.
As Cortes Pátrias aceitam a existência do grupo econômico horizontal:


GRUPO ECONÔMICO HORIZONTAL. DESNECESSIDADE DE CONTROLE. A existência de controle de uma empresa por outra não é essencial ao reconhecimento do grupo econômico, na medida em que a jurisprudência e a doutrina reconhecem o grupo econômico horizontal.
(TRT-5 - RecOrd: 00010409120125050661 BA 0001040-91.2012.5.05.0661, Relator: IVANA MÉRCIA NILO DE MAGALDI, 1ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 14/05/2014.)



A solidariedade pretendida tem por fundamento o § 2º do art. 2º da CLT e a prova produzida nos autos é francamente favorável ao reclamante, no que tange à existência de um grupo econômico horizontal. Recurso improvido no particular.
(TRT-1 - AP: 01538005620065010011 RJ , Relator: Luiz Alfredo Mafra Lino, Data de Julgamento: 02/09/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 08/09/2014)


A CLT, como visto, dispõe que as empresas integrantes do grupo econômico serão solidariamente responsáveis para os efeitos da relação de emprego. Portanto, se um empregado for demitido sem justa causa, por exemplo, poderá pleitear o recebimento das verbas rescisórias de qualquer empresa pertencente ao grupo econômico.

Quanto ao requisito do exercício da atividade econômica, há doutrina e jurisprudência que entende pela necessidade de fim lucrativo do grupo, bem como há entendimento pela desnecessidade. Atualmente, é predominante nos Tribunais a linha da desnecessidade da finalidade lucrativa do grupo:


EMENTA: EXECUÇÃO. GRUPO ECONÔMICO. ASSOCIAÇÕES CIVIS SEM FINS LUCRATIVOS. POSSIBILIDADE. As associações civis sem fins lucrativos podem compor grupo econômico, para efeito da responsabilização solidária prevista pelo art. 2º, § 2º, da CLT.
(TRT-1 - AGVPET: 138006020095010056 RJ , Relator: Rildo Brito, Data de Julgamento: 24/09/2012, Terceira Turma, Data de Publicação: 04-10-2012)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO DIRETAMENTE COM O INSTITUTO VERACEL. ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS, MAS REALIZANDO INTERESSES ECONÔMICOS DA EMPRESA. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO . Demonstrados os elementos de integração interempresarial de que trata o art. 2º, § 2º, da CLT, bem como a intenção econômica das Reclamadas, irrelevante a circunstância de o Instituto constituir-se em entidade filantrópica. (...) Agravo de instrumento desprovido.
(TST - AIRR: 137005820075050511 13700-58.2007.5.05.0511, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 14/12/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2011)


Entende-se que, regra geral, há um único contrato de trabalho quando há a prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico:


Súmula nº 129 do TST
CONTRATO DE TRABALHO. GRUPO ECONÔMICO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.


Porém, veja que há exceção: para o TST, é possível que haja ajuste em contrário, de modo a não se caracterizar o contrato único.

De acordo com o ilustre doutrinador Maurício Godinho Delgado (DELGADO, Maurício Godinho. Curso do Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 392.), ao tratar o grupo como empregador único, surgem outras consequências jurídicas, como:

a) garantia de condições uniformes de trabalho a todos os empregados do grupo econômico, independentemente de qual empresa ele preste serviços, possibilitando o pedido de equiparação salarial (art. 461, CLT);

b) o enquadramento sindical dos empregados será de acordo com a atividade preponderante do grupo econômico e não da empresa para qual o trabalhador presta serviços;

c) possibilidade de transferência de empregados entre as empresas do grupo (art. 469, CLT);

d) o pagamento efetuado pelas demais empresas do grupo terá natureza salarial (Súmula nº 93, TST);

e) o empregado terá de cumprir as ordens dadas pelas demais empresas do grupo, pois todas serão consideradas empregadoras;

f) acesso temporis, ou seja, o tempo de serviço prestado às empresas do grupo é computado;

g) a prestação de serviços ao grupo, mesmo que a empresas diferentes, superiores à jornada normal, gerará o pagamento de horas extras (E-ED-RR-29065-2000-012-09-00.6);

h) em relação à existência de contratos sucessivos às empresas do grupo, haverá a prescrição parcial de 5 anos, para pleitear verbas trabalhistas (E-RR - 619969-29.1999.5.02.5555).

Por fim, vale ressaltar o entendimento do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho quanto à necessidade do integrante do grupo econômico participar da relação processual como reclamado a fim de se sujeitar à execução trabalhista. Atualmente se entende pela desnecessidade, como se depreende pelo cancelamento da súmula 205 do TST:

Súmula nº 205 do TST
GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.

Artigos para leitura posterior: Link1, Link2

quarta-feira, 22 de abril de 2015

E se a empresa não consegue cumprir a cota para deficientes por faltar pessoal qualificado no mercado? E se a condição de deficiente não permite o exercício pleno da profissão?

O artigo de hoje é uma resposta ao comentário do usuário Ernani Filho, publicado em outro artigo de minha autoria, cujo título é: “A demissão sem justa causa de empregado portador de deficiência só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante?

O comentário foi o seguinte:


“Trabalho em uma empresa de Segurança Patrimonial, onde a maior parte (95 %) do contingente trabalha de Vigilante em grandes empresas.
O Vigilante praticamente exerce o papel de Polícia numa empresa, como contratar deficientes para esse cargo com risco de vida?
Pois o Ministério do Trabalho impôs um prazo para adequação e caso não se cumpra, a multa é bem salgada.
Porém encontramos dificuldades até agora.
No curso de Vigilante (obrigatório para o exercício da função) não entram deficientes pois é necessário teste de aptidão física.
Teríamos que demitir o nosso quadro todo do Administrativo, entre eles gerentes e coordenadores, para alcançar a cota.
O que fazer?
O Governo contrata alguns deficientes para área administrativa de sua Polícia, mas não aceita no seu quadro de frente um Policial deficiente, imaginem um PM de cadeira de rodas na UPP do Morro do Alemão?
Mas exige dos empresários.”


Para a análise do caso, primeiramente irei transcrever os dispositivos legais relevantes ao caso:


Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados...........................................................................................2%;

II - de 201 a 500......................................................................................................3%;

III - de 501 a 1.000..................................................................................................4%;

IV - de 1.001 em diante. .........................................................................................5%.

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.

Art. 133. A infração a qualquer dispositivo desta Lei, para a qual não haja penalidade expressamente cominada, sujeita o responsável, conforme a gravidade da infração, à multa variável de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) a Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros).


De acordo com a PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 13, DE 09 DE JANEIRO DE 2015 - DOU DE 12/01/2015, art. 8º, IV o valor da multa para o descumprimento da cota para deficientes varia de R$ 1.925,81 (um mil novecentos e vinte e cinco reais e oitenta e um centavos) a R$ 192.578,66 (cento e noventa e dois mil quinhentos e setenta e oito reais e sessenta e seis centavos); O valor de R$ 1.925,81 é para cada trabalhador que deixar de ser contratado, podendo a multa chegar ao valor de R$ 192.578,66.

Veja, caro leitor, que a imposição da multa em tais valores pode acarretar o encerramento da empresa. Ocorre que muitos empresários argumentam que não há profissionais portadores de deficiência qualificados em número suficiente no mercado para cumprir a cota. Neste caso, os Tribunais vem entendendo que se a empresa realizou todos os esforços para atender ao comando de reserva de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, mas houve carência de profissionais habilitados, o integral cumprimento da cota não é necessário. (fonte)

Para ficar comprovada a falta de profissionais, a empresa deve demonstrar que houve interesse em atender à norma legal. Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região proferiu acórdão interessante, o qual fixa parâmetros para a comprovação do referido interesse:


"Por unanimidade de votos, dar parcial provimento ao recurso do autor para condenar a ré a comprovar trimestralmente ao Ministério Público do Trabalho, Procuradoria de Pelotas-RS, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por vaga não preenchida em cada trimestre descumprido pelo período de 02 anos, ou até o preenchimento da cota que estabelece o art. 93, da Lei 8.213/91: a) a manutenção das ações noticiadas nos autos para divulgação das vagas para pessoas com deficiência (anúncios semanais em dois jornais locais; divulgação em rádios, informações ao SINE, divulgação em adesivos nos ônibus da empresa); b) o contato regular com no mínimo três instituições, governamentais ou não, de apoio a pessoas com deficiência, informando acerca da existência de vagas, bem como com o setor de reabilitação profissional do INSS; c) o estabelecimento, diretamente ou por meio de convênios, de programas de formação profissional para pessoas com deficiência; d) flexibilização das exigências genéricas para a contratação de empregados. Em caso de incidência da multa, esta deverá ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Valor da condenação fixado em R$ 20.000,00, e custas de R$ 400,00, pela requerida."

(TRT-4 - RO: 00013133620105040122 RS 0001313-36.2010.5.04.0122, Relator: MARIA HELENA LISOT, Data de Julgamento: 17/10/2012, 2ª Vara do Trabalho de Rio Grande)


E em relação às empresas de segurança e construção civil, por exemplo, tendo em vista que em certos ramos de atividade a condição de deficiente não permite o exercício pleno da profissão?

De acordo com notícia publicada pelo portal de notícias CONJUR, “os magistrados tem decidido que o número de funcionários de cada empresa deve ser calculado excluindo os cargos que a condição de deficiente não deixa a oportunidade de exercício pleno da profissão.


Um exemplo disso é a decisão do eminente desembargador André R.P.V. Damasceno, do TRT de Brasília, o processo 0437-2007-018.10.00.1, que assim decidiu:

“Empresas de vigilância privada. Vagas destinadas a deficientes físicos. Artigo 93, da Lei 8.213/91. Cálculo do percentual. Incidência sobre o efetivo das empresas, excluídos os empregos de vigilância. A empresa que contar com 100 ou mais trabalhadores deverá obedecer a um percentual de empregados portadores de necessidades especiais, segundo estabelece o caput do art. 93 da lei 8.213/91. Contudo, tal dispositivo de lei deve ser interpretado levando-se em consideração as peculiaridades materializadas no caso concreto. As empresas de vigilância privada são regidas pela lei 7.102/83 que traz normas especificas para o exercício da profissão de vigilante, sendo obrigatória a aprovação em curso de formação de vigilante, envolvendo matérias relativas à defesa pessoal, armamento e tiro, entre outras, além de aprovação de exames de saúde física, mental e psicotécnico. É de se notar que as habilidades exigidas no curso de qualificação para vigilantes revelam-se incompatíveis com as restrições de uma pessoa portadora de necessidades especiais, defendo o cálculo de percentual a que alude o referido dispositivo de lei incidir sobre o efetivo das empresas de vigilância excluídos os empregos de vigilante”.


Ressalto que em entendimento diametralmente oposto, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região se manifestou:


EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - SISTEMA DE COTAS PREVISTO NO ART. 93 DA LEI 8.213/91 - INOBSERVÂNCIA - AUTUAÇÃO PELO AUDITOR FISCAL DO MINISTÉRIO DO TRABALHO - LEGALIDADE.

(...) O percentual previsto na norma aplica-se sobre o número total de empregados da empresa, e não sobre esse universo, excluídas funções ou cargos para os quais haja incompatibilidade com a deficiência física. A leitura atenta da norma autoriza a conclusão de que a base de incidência do percentual será, sempre, a totalidade do número de empregados, não comportando qualquer ilação no sentido de excluir os cargos para os quais a deficiência física possa constituir óbice ao seu desempenho. Tal fato – a incompatibilidade - apenas implica o dever de a empresa integrá-lo ao quadro, alocando-o em função/cargo compatível com a sua deficiência. (...)
(TRT-3 RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA : RO 00535201102403005 0000535-62.2011.5.03.0024, Relator: Julio Bernardo do Carmo, Quarta Turma)


Pessoalmente, filio-me ao entendimento do TRT 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins) anteriormente citado, de modo que o número de funcionários de cada empresa deve ser calculado excluindo os cargos que a condição de deficiente não deixa a oportunidade de exercício pleno da profissão.

Imaginemos a seguinte situação: a empresa possui 501 funcionários: 481 seguranças, os quais necessitam de treinamento intenso, incompatíveis com as restrições de uma pessoa portadora de necessidades especiais, e 20 funcionários da área administrativa. Em tese, deveria haver no mínimo 4% dos empregados reabilitados ou portadores de deficiência, ou seja, 21 empregados. Veja: todos os funcionários da área administrativa deveriam ser reabilitados ou portadores de deficiência, mas ainda sobraria 1 funcionário que não haveria como alocá-lo na área fim da empresa. O que fazer?

É por este motivo que o entendimento do TRT da 10ª Região se mostra mais razoável, ao meu ver.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Você sabe como a pirâmide de Kelsen é aplicada no Direito do Trabalho? Já ouviu falar em teoria do conglobamento? Teoria da Acumulação? Entenda!

A pirâmide de Kelsen representa um sistema normativo em que há normas de hierarquia diversas. No topo da pirâmide está a Constituição. Em nível intermediário estão as leis. Em níveis inferiores os decretos editados pelo Poder Executivo, por exemplo.

A consequência é que normas de hierarquia inferior deverão observar as de hierarquia superior. Se uma norma inferior entra no ordenamento jurídico e viola a superior, aquela não pode ser apta a produzir efeitos jurídicos. Se a norma superior é inaugurada no sistema normativo e viola a inferior, ocorre a ab-rogação (revogação integral) ou derrogação (revogação parcial) desta.

Pois bem, tal pirâmide tem aplicação integral no Direito do Trabalho? Para oferecer ao leitor a devida resposta, primeiramente é necessário definir o que é o princípio da proteção ao trabalhador.

O referido princípio se desdobra em três outros princípios: princípio do in dúbio pro operário (pro misero), princípio da norma mais favorável e principio da condição mais benéfica.

O princípio do in dubio pro operario se aplica quando houver dúvida acerca de qual interpretação da norma aplicar no caso em específico, de modo que deverá ser utilizada a que favorecer o trabalhador. Sua aplicação no campo processual foi discutida em outro artigo de minha autoria, cujo título é: “E se ocorrer o empate das provas no processo do trabalho? E se o juiz não estiver convencido por nenhuma das provas? O que fazer?

O princípio da condição mais benéfica se relaciona ao aspecto temporal das normas. Pode-se afirmar que se houver alteração no contrato de trabalho que o torne menos favorável ao trabalhador, tal modificação é inválida, pois o empregado tem direito adquirido à norma mais benéfica. O princípio em destaque está previsto tanto na lei, quanto no entendimento sumulado do TST:

"CLT Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia."


"Súmula nº 51 do TST



NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005


I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)

II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 - inserida em 26.03.1999)"

"Súmula nº 277 do TST

CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho. "


Já o princípio da norma mais favorável é empregado quando há pluralidade de normas (não de interpretação), de tal sorte que será aplicada ao caso concreto a mais vantajosa ao trabalhador.

“Ao contrário do direito comum, em nosso direito entre várias normas sobre a mesma matéria, a pirâmide que entre elas se constitui terá no vértice, não a Constituição Federal, ou a lei federal, ou as convenções coletivas, ou o regulamento de empresa, de modo invariável e fixo. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes em vigor” (NASCIMENTO, 1977. p. 235).


Portanto, a doutrina entende que a tradicional pirâmide de Kelsen tem aplicação diferenciada no Direito do Trabalho. No topo da pirâmide está a norma mais favorável ao trabalhador, que pode não ser a Constituição Federal.

Porém, há questionamentos a fazer: digamos que exista a norma A e a norma B que regulam o mesmo instituto, mas parte da norma A é mais favorável ao trabalhador, enquanto parte da norma B é mais vantajosa. Deve-se aplicar integralmente algumas das normas ou pode-se utilizar parcialmente as duas normas? Para resolver a questão devemos entender a Teoria do Conglobamento, Teoria da Acumulação e Teoria do Conglobamento mitigado.

A teoria da acumulação reúne todas as regras mais benéficos ao trabalhador de cada fonte normativa, de modo que podem ser aplicadas parcialmente as diversas fontes, de modo a formar uma só relação jurídica.

Maurício Godinho Delgado afirma que “a teoria da acumulação propõe como procedimento de seleção, análise e classificação das normas cotejadas, o fracionamento do conteúdo dos textos normativos, retirando-se os preceitos e institutos singulares de cada um que se destaquem por seu sentido mais favorável ao trabalhador. À luz dessa teoria acumulam-se, portanto, preceitos favoráveis ao obreiro, cindindo-se diplomas normativos postos em equiparação” (DELGADO, 2009, p. 1279)


Pessoalmente, tenho severas ressalvas quanto à aludida teoria, uma vez que não atende à vontade do legislador, pois desta maneira criar-se-ia uma nova norma jurídica, diversa da pretendida pelo Poder Legislativo.

Os Tribunais pátrios não costumam aceitar referida teoria:

EMBRAPA. TABELA SALARIAL. PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. AUSENCIA DE CONFIGURAÇÃO. REENQUDRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. (...) Ademais, a pretensão de reenquadramento formulada procura reunir vantagens da tabela substituída e daquela em vigor, estratégia não admitida pelo direito do trabalho, que rechaça a teoria da acumulação em benefício de uma abordagem sistemática dos instrumentos normativos que regem a contratação, analisado o seu grau de proveito sempre de um ponto de vista coletivo. (...)



(TRT-6 - RO: 1063522010506 PE 0001063-52.2010.5.06.0411, Relator: Mª. Helena Guedes S. de Pinho Maciel, Data de Publicação: 01/03/2011)


Já a teoria do conglobamento dita que deve-se aplicar integralmente certo conjunto normativo, não podendo fracioná-lo.

Maurício Godinho Delgado diz que “a teoria do conglobamento constrói um procedimento de seleção, análise e classificação das normas cotejadas sumamente diverso do anterior. Por essa segunda teoria não se fracionam preceitos ou institutos jurídicos. Cada conjunto normativo é apreendido globalmente, considerando o mesmo universo temático; respeitada essa seleção, é o referido conjunto comparado aos demais, também globalmente apreendidos, encaminhando-se, então, pelo cotejo analítico, à determinação do conjunto normativo mais favorável” (DELGADO, 2009, p. 1279)

"De acordo com a teoria do conglobamento, “não se mesclam cláusulas de instrumentos coletivos diferentes, devendo prevalecer o acordo coletivo como norma mais favorável, em sua totalidade” (TST, RR-130000-70.2005.5.03.0013, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DJ-e 12.3.2010)."


Por fim, existe o que se chama de Teoria Intermediária ou Eclética ou Conglobamento por instituto ou Conglobamento Mitigado.

“Determina a aplicação do conjunto de normas agrupadas sob a mesma forma de instituto jurídico desde que mais favorável ao trabalhador, em detrimento daquela matéria prevista em outra fonte de direito também aplicável ao empregado” (CONFLITO ENTRE NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO, Graziella Ambrosio). Por exemplo: a Convenção Coletiva de Trabalho “A” contém dispositivos sobre férias e aviso prévio. O Acordo Coletivo de Trabalho “B” também trata a respeito de férias e aviso prévio. Como os temas férias e aviso prévio são institutos jurídicos diversos seria possível que no caso concreto fosse aplicada a convenção coletiva A a respeito das férias e o acordo coletivo B no que tange ao aviso prévio, se mais benéfico ao trabalhador.


Segue aplicação recente da teoria do conglobamento mitigado:

TEORIA DO CONGLOBAMENTO POR INSTITUTO - Se deve aplicar à relação jurídica estabelecida entre as partes tanto os ACTs quanto as CCTs, observando-se em relação a cada instituto jurídico a norma que mais beneficie o empregado, pois permite que seja preservada a harmonia e integridade de cada instrumento, sem causar prejuízo ao trabalhador quando, por exemplo, um deles seja absolutamente omisso a respeito de uma matéria.



(TRT-9 21992010661900 PR 2199-2010-661-9-0-0, Relator: LUIZ CELSO NAPP, 4A. TURMA, Data de Publicação: 29/03/2011)


Cabe frisar que atualmente a jurisprudência não é pacífica sobre o tema: oscila entre a teoria do conglobamento e a teoria do conglobamento por instituto.

Para leituras adicionais, recomendo os seguintes artigos: Link1, Link2, Link3

domingo, 19 de abril de 2015

A demissão sem justa causa de empregado portador de deficiência só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante?

Tal previsão encontra-se no parágrafo primeiro do art.  93, Lei 8.213/91:

“A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.”

Inicialmente friso que o dispositivo se aplica às empresas com 100 ou mais empregados, que devem cumprir o sistema de cotas para reabilitados e deficientes, de acordo com o caput do artigo.


Veja que a lei criou espécie de estabilidade ao empregado reabilitado ou portador de deficiência. Se o empregador o demitir sem justa causa sem substituí-lo por indivíduo de condição semelhante, considera-se em vigor o contrato de trabalho, de modo que o empregado tem direito à reintegração ao emprego.

Poder-se-ia questionar o seguinte: se a empresa, após a demissão, tiver em seu quadro funcional o percentual mínimo de empregados reabilitados ou portadores de deficiência, resta obrigatória tal substituição? Afirmativo:

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO. Observância da previsão contida no art. 93, § 1.º, da Lei 8.213/91 ainda que a reclamada tenha mantido, em seu quadro funcional, o percentual mínimo de empregados reabilitados ou portadores de deficiência. Demonstrada possível violação do art. 93, § 1.º, da Lei 8.213/91, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II - RECURSO DE REVISTA 1 - PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. HABITUALIDADE. Deixa-se de examinar a preliminar de nulidade do acórdão do Tribunal Regional por prestação negativa, em razão do disposto no art. 249, § 2.º, do CPC. 2 - REINTEGRAÇÃO. Observância da previsão contida no art. 93, § 1.º, da Lei 8.213/91 ainda que a reclamada tenha mantido, em seu quadro funcional, o percentual mínimo de empregados reabilitados ou portadores de deficiência . Consoante o disposto no art. 93, § 1.º, da Lei 8.213/91, a validade da dispensa imotivada de empregado portador de deficiência física condiciona-se à prova de que a empresa preenche o percentual mínimo de vagas ocupadas por empregados portadores de deficiência e que admitiu outro empregado na mesma condição. Desse modo, ainda que a reclamada tenha mantido, em seu quadro funcional, o percentual mínimo de empregados reabilitados ou portadores de deficiência, não deixa de se sujeitar ao disposto no parágrafo 1.º do art. 93 da Lei 8.213/91. Com efeito, eventual exclusão da obrigação de preenchimento de cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência só se justificaria diante da impossibilidade de a empresa contratar empregados que se enquadrem como reabilitados ou portadores de deficiência, o que não ficou demonstrado no caso concreto. Sinale-se, ainda, que o fato de a parte contratar acima da cota configura ato discricionário do empregador. Recurso de revista conhecido e provido .



(TST - RR: 107401220055170012 10740-12.2005.5.17.0012, Relator: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 02/04/2013, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/04/2013)


Outra dúvida poderia surgir: se a empresa detiver em seus quadros percentual acima do mínimo de empregados portadores de deficiência e reabilitados, nunca poderá abaixar o percentual, tendo em vista que se demitir o funcionário obrigatoriamente deve substituí-lo por outro de condição semelhante?

Não! Veja que a lei obriga a substituição para o caso de demissão imotivada em sede de contrato por prazo indeterminado. Se a extinção do contrato partir do empregado ou houver justa causa para a demissão não há que se falar em tal imposição.

Por fim, o que se entende por “substituto de condição semelhante”?

O Ministério do Trabalho tratou de explicar o tema:

Significa que outro trabalhador com deficiência deverá ser contratado, não sendo, necessariamente, trabalhador com a mesma deficiência do substituído. Assim, à guisa de exemplo, uma vaga anteriormente ocupada por deficiente físico não precisa ser substituída por outro deficiente físico, podendo ser qualquer pessoa com deficiência elencada no art. 4º do Decreto nº 3.298/99, com as alterações efetuadas pelo Decreto nº 5.296/04. Igualmente, a substituição também pode ser em outra função, já que o objetivo é a contratação de outra pessoa com deficiência.” (A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. – 2. ed. – Brasília: MTE, SIT, 2007, pg. 33)

O Tribunal do Superior do Trabalho firmou entendimento semelhante:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. DISPENSA IMOTIVADA. CONTRATAÇÃO DE SUBSTITUTO EM CONDIÇÃO SEMELHANTE PARA A MESMA FUNÇÃO. O art. 93, § 1º, da Lei nº 8.213/91 não assegura estabilidade ao empregado portador de deficiência, nem impõe condição de que a empresa contrate substituto para o mesmo cargo do substituído, mas exige, apenas, que aquele também seja deficiente físico. Não há violação, nos termos do art. 896, c, da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento.



(TST - AIRR: 872008920025130001 87200-89.2002.5.13.0001, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 26/11/2008, 1ª Turma,, Data de Publicação: DJ 05/12/2008.)

No entanto, o entendimento da 1ª Turma do TST sofreu modificação, de modo que hoje a demissão de pessoa com deficiência contratada pelo sistema de cotas só pode ocorrer se houver contratação de substituto, também deficiente, para o mesmo cargo. (fonte)

sábado, 18 de abril de 2015

E se ocorrer o empate das provas no processo do trabalho? E se o juiz não estiver convencido por nenhuma das provas? O que fazer?

No processo do trabalho, existe na doutrina o que se chama de princípio da proteção ao trabalhador, que é desmembrado em três princípios diversos: "in dubio pro operario", "aplicação da lei que trouxer a norma mais favorável" e "aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador".

Interessa-nos para a solução do caso concreto o princípio do in dubio pro operario. Tal princípio se aplica quando houver dúvida acerca de qual norma aplicar no caso em específico, de modo que deverá ser utilizada a que favorecer o trabalhador.

Porém, há divergência quanto à aplicação do princípio em sede de direito processual, ao valorar as provas. Há duas correntes: a primeira dita que o princípio também é aplicável em matéria probatória, uma vez que o direito processual tem a finalidade de instrumentalizar o direito material: ou seja, na dúvida, entende-se verdadeira a prova que favoreça o trabalhador; a segunda corrente sustenta que a questão deve ser solucionada pelo critério do ônus da prova, de acordo com a legislação em regência:

CLT: Art. 818 - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

CPC: Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Filio-me à segunda corrente, pois o legislador regulou exaustivamente a matéria (ônus probatório), de modo que não cabe ao julgador imiscuir-se na função legislativa e usurpar a competência de outro Poder da República a fim de resolver o caso concreto diversamente do estipulado legalmente.

Questão interessante foi proposta na 2ª etapa do XVIII CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO, TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA REGIÃO:

"QUESTÃO 3 – DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

JOÃO, membro suplente da comissão interna de prevenção de acidentes (CIPA) da METALÚRGICA AÇO FORTE, com mandato em vigência, foi dispensado por justo motivo pela empresa, sob o fundamento de prática de atos de insubordinação e de desídia (art. 482, alíneas h e e, da CLT). O empregado não aceitou os motivos da rescisão contratual e afirmou que não praticou ato faltoso para justificar dispensa por justa causa. Declarou que era perseguido por seu superior hierárquico e que sua despedida foi retaliação pelo bom exercício de suas funções de membro da CIPA. Ato contínuo, ajuizou ação trabalhista em que postulou reintegração ao emprego. Na audiência de instrução, o juiz colheu o depoimento de uma testemunha trazida pelo autor, que ratificou os fatos articulados na peça vestibular. Também ouviu uma testemunha trazida pela empresa, a qual confirmou os atos praticados pelo reclamante que ensejaram a justa causa. O juiz, aplicando o princípio in dubio pro operario, porque teve dúvida quanto à prova dos fatos, rejeitou a justa causa aplicada pela empresa e determinou, por sentença, a reintegração do trabalhador ao emprego, mediante antecipação de tutela, independentemente do trânsito em julgado da decisão. Diante do caso relatado, responda: 

a) A fundamentação utilizada pelo julgador para afastar a justa causa aplicada pela empresa e determinar a reintegração ao trabalho do empregado poderia ser amparada no princípio in dubio pro operario?"

Tendo em vista o analisado anteriormente, creio ser equivocada a ratio decidendi do nobre magistrado. O princípio da igualdade também deve ser aplicado na esfera trabalhista: não há porque tratar as partes desigualmente. A questão deve ser solucionada por meio do ônus da prova. No caso concreto, a alegação da justa causa pelo empregador é fato impeditivo do direito de reintegração ao emprego do autor, de modo que a decisão do magistrado foi correta, sendo apenas a fundamentação falha.

Quem praticou o ato de demissão foi o empregador, portanto é este quem deve provar a alegada causa justificadora do ato.

Para reforçar a argumentação, segue entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

JUSTA CAUSA. PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. FATO IMPEDITIVO DO DIREITO DO AUTOR. ÔNUS DA PROVA. É ônus do empregador provar a ocorrência de justa causa invocada na defesa como fato impeditivo do direito ao pagamento das verbas rescisórias pleiteado pelo empregado, nos termos do art. 818 da CLT e do art. 333, II, do CPC.
(TRT-4 - RO: 00000098820135040027 RS 0000009-88.2013.5.04.0027, Relator: FERNANDO LUIZ DE MOURA CASSAL, Data de Julgamento: 03/04/2014, 27ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)

Para leituras adicionais, recomendo os seguintes artigos:

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Um indivíduo deficiente físico contratado como jovem aprendiz preenche simultaneamente a cota legal de deficientes físicos e de aprendizes?

Primeiramente, devemos analisar os dispositivos legais relevantes:


Lei 8.213/91: “Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados...........................................................................................2%;

II - de 201 a 500......................................................................................................3%;

III - de 501 a 1.000..................................................................................................4%;

IV - de 1.001 em diante. .........................................................................................5%.

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

CLT: “Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.(Redação dada pela Lei nº 10.097, de 2000)

§ 1o-A. O limite fixado neste artigo não se aplica quando o empregador for entidade sem fins lucrativos, que tenha por objetivo a educação profissional. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 2000)

§ 1o As frações de unidade, no cálculo da percentagem de que trata o caput, darão lugar à admissão de um aprendiz. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 2000)


Creio que cabe uma análise constitucional do problema apresentado. Seguem artigos relevantes para o deslinde da questão:


Constituição Federal, Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;


Ocorre que de acordo com a doutrina, “o princípio da máxima efetividade da norma constitucional orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo” (MENDES et al, 2008, p. 118).

Ao aplicar tal princípio no caso concreto, conclui-se que na dúvida sobre qual interpretação seguir, deve ser aplicado o entendimento que favoreça a integração social das pessoas portadores de deficiência. Portanto, não deve haver sobreposição das cotas de deficiência e aprendizes.

O Ministério do Trabalho, de acordo com a exegese acima firmada, entende que “não há sobreposição das cotas, já que cada uma delas tem finalidades e condições próprias. No caso da reserva de cargos para pessoas portadoras de deficiência porque a legislação fala na habilitação prévia, a aprendizagem visa justamente habilitar o aprendiz para o mercado de trabalho (Nota Técnica DMSC/DEFIT/SIT nº 121, de 1º de setembro de 2004).

terça-feira, 14 de abril de 2015

Entenda o que é o "lockout": prática proibida no Brasil e que se assemelha à greve.

O lockout ocorre quando o empregador impede que os seus empregados, total ou parcialmente, adentrem nos recintos do estabelecimento empresarial para laborar. O objetivo do empregador é desestabilizar emocionalmente seus empregados para que desistam de pleitear maiores salários, etc, pois, em regra, no período do lockout aquele não paga a remuneração de seus funcionários, causando temor entre estes. Além disso, o obreiro receia perder seu emprego.

A ocorrência do lockout é raríssima no Brasil, pois o direito brasileiro não admite a interrupção dos salários no caso citado, uma vez que o tempo que o operário estiver à disposição do empregador é considerado de serviço efetivo.

A legislação brasileira proíbe expressamente o lockout. Tanto a Consolidação das Leis do Trabalho como a Lei da Greve regulam o tema:


CLT - DO "LOCK-OUT" E DA GREVE

Art. 722 - Os empregadores que, individual ou coletivamente, suspenderem os trabalhos dos seus estabelecimentos, sem prévia autorização do Tribunal competente, ou que violarem, ou se recusarem a cumprir decisão proferida em dissídio coletivo, incorrerão nas seguintes penalidades:

a) multa de cinco mil cruzeiros a cinquenta mil cruzeiros; (Vide Leis nºs 6.986, de 1982 e 6.205, de 1975)

b) perda do cargo de representação profissional em cujo desempenho estiverem;

c) suspensão, pelo prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, do direito de serem eleitos para cargos de representação profissional.

§ 1º - Se o empregador for pessoa jurídica, as penas previstas nas alíneas "b" e "c" incidirão sobre os administradores responsáveis.

§ 2º - Se o empregador for concessionário de serviço público, as penas serão aplicadas em dobro. Nesse caso, se o concessionário for pessoa jurídica o Presidente do Tribunal que houver proferido a decisão poderá, sem prejuízo do cumprimento desta e da aplicação das penalidades cabíveis, ordenar o afastamento dos administradores responsáveis, sob pena de ser cassada a concessão.

§ 3º - Sem prejuízo das sanções cominadas neste artigo, os empregadores ficarão obrigados a pagar os salários devidos aos seus empregados, durante o tempo de suspensão do trabalho.

Lei 7.783/89 (Lei da Greve): Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).

Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.


Recomendo o seguinte link para leituras adicionais: Link

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Você sabia? A empregada do sexo feminino, se realizar horas extras, tem direito a um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.

O Capítulo III da Consolidação das Leis do Trabalho tem como título: DA PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER. O art. 384 da CLT, integrante do referido capítulo, dispõe: “Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.

Mas tal descanso não viola o princípio da isonomia, tendo em vista que o mesmo não é previsto para o empregado homem?

O STF, ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 658312, entendeu que o referido dispositivo normativo é constitucional:


“O voto do relator ressaltou que as disposições constitucionais e infraconstitucionais não impedem que ocorram tratamentos diferenciados, desde que existentes elementos legítimos para tal e que as garantias sejam proporcionais às diferenças ou definidas por algumas conjunturas sociais. E, nesse sentido, avaliou que o artigo 384 da CLT “trata de aspectos de evidente desigualdade de forma proporcional”. Ele citou o prazo menor para aposentadoria, a cota de 30% para mulheres nas eleições e a Lei Maria da Penha como exemplos de tratamento diferenciado legítimo.

Toffoli afastou ainda os argumentos de que a manutenção do intervalo prejudicaria o acesso da mulher ao mercado de trabalho. “Não parece existir fundamento sociológico ou mesmo comprovação por dados estatísticos a amparar essa tese”, afirmou. “Não há notícia da existência de levantamento técnico ou científico a demonstrar que o empregador prefira contratar homens, em vez de mulheres, em virtude dessa obrigação”.


A consequência do empregador não conceder à sua empregada o citado intervalo de 15 minutos é o pagamento do período como horas extras. (fonte). Então, por exemplo, se a empregada trabalha 20 minutos extraordinariamente no dia sem o referido descanso, devem ser pagos 35 minutos como horas extras (20+15).

domingo, 12 de abril de 2015

É possível instaurar-se o movimento grevista sem prévia tentativa de negociação?

A lei 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências. Eis o conteúdo de seu art. 3º: “Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.”

Portanto, a lei condiciona o exercício da greve à frustração de prévia negociação.  O Tribunal Superior do Trabalho tem entendimento firmado que “Greve deflagrada sem negociação prévia é abusiva”.

Certo. Mas qual a consequência da greve ser considerada abusiva?


TST – Orientação Jurisprudencial SDC (Seção de Dissídios Coletivos) 10. GREVE ABUSIVA NÃO GERA EFEITOS. (inserida em 27.03.1998)
É incompatível com a declaração de abusividade de movimento grevista o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias a seus partícipes, que assumiram os riscos inerentes à utilização do instrumento de pressão máximo.


Ocorre que o art. 7º, parágrafo único da lei em comento afirma: “É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.

Logo, se a greve é abusiva, a garantia de não ter o contrato de trabalho rescindido não se aplica.

Porém, há exceção em relação à necessidade de prévia negociação para a instauração da greve:


“Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:

I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;

II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.”


Ou seja, se houve prévio acordo, convenção ou sentença normativa e a empresa descumpre os termos firmados, logicamente não é necessária nova tentativa de acordo. O movimento grevista pode ser iniciado imediatamente:

GREVE MOTIVADA PELO DESCUMPRIMENTO DE INSTRUMENTO COLETIVO EM VIGOR - AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE - ART. 14, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.783/89. Nos termos do parágrafo único do art. 14 da Lei 7.783/89, na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição ou seja motivada pela superveniência de fato novo ou, ainda, por um acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho. Esta a hipótese dos autos, em que ficou evidenciado o fato de que a suscitante, não somente tinha conhecimento da insatisfação dos empregados com o descumprimento de normas legais e convencionais, como acabou por fomentá-la ao permitir que se exacerbasse a ponto de tornar insustentável a situação dos trabalhadores. Seu procedimento implicou em quebra da boa-fé contratual, que deve permear todos os contratos e que, no âmbito do direito coletivo, tem sua importância redobrada. Constata-se, pois, que os empregados foram premidos pela necessidade, não lhes restando outra saída senão valer-se do instrumento máximo de pressão de que dispunham, para uma solução mais rápida dos seus problemas, como exigia a matéria. Neste contexto, os trabalhadores ficam dispensados das formalidades prévias estipuladas na citada lei, podendo exercer, de pronto, o seu direito de greve, como previsto no dispositivo acima mencionado.

(TRT-3 - DCG: 00527201000003008 0052700-95.2010.5.03.0000, Relator: Convocada Wilmeia da Costa Benevides, Secao Espec. de Dissidios Coletivos, Data de Publicação: 25/11/2010 24/11/2010. DEJT. Página 24. Boletim: Sim.)

sábado, 11 de abril de 2015

Se você não comparecer ao serviço injustificadamente certo dia da semana, o desconto na remuneração será referente apenas ao dia não trabalhado?

Não. Além do dia não trabalhado, também não será devido o valor do descanso semanal remunerado correspondente. Eis artigo pertinente da Lei 605/49, a qual dispõe sobre o repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos:

“Art. 6º Não será devida a remuneração quando, sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho.”

Para o cálculo do valor do DSR (descanso semanal remunerado) deverá ser observado o art. 7º do diploma legal:

"Art. 7º A remuneração do repouso semanal corresponderá:

a) para os que trabalham por dia, semana, quinzena ou mês, à de um dia de serviço, computadas as horas extraordinárias habitualmente prestadas; (Redação dada pela Lei nº 7.415, de 09.12.85)

b) para os que trabalham por hora, à sua jornada norma de trabalho, computadas as horas extraordinárias habitualmente prestadas; (Redação dada pela Lei nº 7.415, de 09.12.85)

c) para os que trabalham por tarefa ou peça, o equivalente ao salário correspondente às tarefas ou peças feitas durante a semana, no horário normal de trabalho, dividido pelos dias de serviço efetivamente prestados ao empregador;

d) para o empregado em domicílio, o equivalente ao quociente da divisão por 6 (seis) da importância total da sua produção na semana."

OBS: para o empregado mensalista, o DSR já se encontra incluso em seu salário. "Art. 7º, § 2º: Consideram-se já remunerados os dias de repouso semanal do empregado mensalista ou quinzenalista cujo cálculo de salário mensal ou quinzenal, ou cujos descontos por falta sejam efetuados na base do número de dias do mês ou de 30 (trinta) e 15 (quinze) diárias, respectivamente."

Para uma melhor explicação do tema, segue um exemplo:

Se o empregado recebe o salário mensal de 1200 reais e falta um dia da semana injustificadamente no mês, temos:

Perda do dia correspondente mais a perda do DSR da semana. Considerando que o mês comercial tem 30 dias, irá perder duas vezes o valor de 1200/30 (divisão que corresponde à remuneração de um dia de trabalho) = 2 x 40 = 80 reais.

Portanto, no mês iria receber o valor de 1200 – 80 = 1120 reais.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Se você deu prejuízo ao seu empregador, pode ter seu salário descontado?

Inicialmente, irei transcrever o artigo 462 da CLT:


“Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo.

§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

A fim de conceituar dolo e culpa, transcrevo trecho de artigo publicado no blog de Direito da Folha: "Quando alguém quer cometer um delito ou assume o risco de cometê-lo, ele estará agindo dolosamente. Mas se ele cometeu o crime apenas por negligência,  imprudência  ou imperícia, ele estará agindo culposamente" (fonte)


Portanto, temos dois requisitos:

a) culpa ou dolo;

b) prévio acordo se o dano for proveniente de culpa do empregado;

Via de regra, portanto, não será cabível o desconto, tendo em vista o princípio da alteridade, previsto no art. 2º da CLT, o qual afirma que cabe ao empregador a assunção dos riscos do negócio. O empregado só pode ser punido se proceder com culpa ou dolo, devendo estes serem cabalmente provados.

Se proceder com culpa e não houver acordo anterior sobre eventuais descontos entre chefia e empregado não poderá haver desconto.

Se houver prévio acordo e não restar comprovada a culpa ou dolo, também não poderá haver desconto.

Por fim, se for provado a ocorrência do dolo, o desconto será licito independentemente de prévio acordo.

O Tribunal Superior do Trabalho tem orientações jurisprudenciais a respeito do tema:


OJ nº 18 da SDC 

DESCONTOS AUTORIZADOS NO SALÁRIO PELO TRABALHADOR. LIMITAÇÃO MÁXIMA DE 70% DO SALÁRIO BASE.



Inserida em 25.05.1998

Os descontos efetuados com base em cláusula de acordo firmado entre as partes não podem ser superiores a 70% do salário base percebido pelo empregado, pois deve-se assegurar um mínimo de salário em espécie ao trabalhador.

OJ 251 SDI1 TST

DESCONTOS. FRENTISTA. CHEQUES SEM FUNDOS. Inserida em 13.03.02

É lícito o desconto salarial referente à devolução de cheques sem fundos, quando o frentista não observar as recomendações previstas em instrumento coletivo.


Ou seja, ainda que o desconto seja lícito, não poderá ultrapassar 70% do salário recebido pelo empregado, pois deve-se assegurar um mínimo de salário em espécie ao trabalhador, a fim de ter meios de subsistência.

Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho entende que os descontos só podem ser efetuados se houver acordo entre empregador e empregado individualmente. Caso o desconto seja previsto apenas em acordo ou convenção coletiva de trabalho, não será lícito por violar o princípio da intangibilidade salarial. (fonte)

Leituras adicionais: