quarta-feira, 6 de maio de 2015

As lacunas no Direito. O que são as lacunas normativas, axiológicas e ontológicas? Veja alguns exemplos práticos de lacunas no Direito e Processo do Trabalho.

A doutrina costuma classificar as lacunas da legislação em três tipos principais: lacuna normativa, axiológica e ontológica.

Na lacuna normativa há ausência de lei para o caso concreto. A título de exemplo, podemos citar a terceirização trabalhista. Na falta de norma legal, o TST editou a súmula 331 para suprir a lacuna existente, que regula o instituto em nosso ordenamento jurídico.

No caso, o Colendo Tribunal Superior aplicou o art. 8º da CLT:

"Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público."

Na lacuna axiológica há lei para o caso concreto, porém sua aplicação se revela injusta ou insatisfatória. É o caso do duplo grau de jurisdição obrigatório no processo do trabalho. Eis o art. Art. 1º, V do Decreto-Lei nº 779: 

“Nos processos perante a Justiça do Trabalho, constituem privilégio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das autarquias ou fundações de direito público federais, estaduais ou municipais que não explorem atividade econômica: o recurso ordinário "ex officio" das decisões que lhe sejam total ou parcialmente contrárias;”

Veja que há lei expressa que disciplina o duplo grau de jurisdição obrigatório em sede de direito processual trabalhista. Não há lacuna normativa. Porém, poder-se-ia argumentar que há lacuna axiológica, pois conceder à Fazenda Pública tal privilégio sem restrições teria resultado insatisfatório, pois o número de ações que seriam levadas aos Tribunais Trabalhistas seria enorme, de modo a tornar inviável a prestação jurisdicional.

Tendo isso em vista, o TST editou a súmula 303, que determina o uso do art. 475 do CPC e não o art. 1º, V do Decreto-Lei nº 779:

Súmula nº 303 do TST

FAZENDA PÚBLICA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 71, 72 e 73 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - Em dissídio individual, está sujeita ao duplo grau de jurisdição, mesmo na vigência da CF/1988, decisão contrária à Fazenda Pública, salvo:

a) quando a condenação não ultrapassar o valor correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos;

b) quando a decisão estiver em consonância com decisão plenária do Supremo Tribunal Federal ou com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho. (ex-Súmula nº 303 - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003 - Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
(...)


Já na lacuna ontológica há lei para o caso concreto, porém a norma está desligada da realidade social, de modo que não tem aplicação prática.

A lacuna ontológica tem estudo mais intenso no Direito Constitucional. É magistério de Luiz Wanderley dos Santos:

“É necessário que o texto constitucional tenha embasamento na realidade fático-social, para que seja obedecido, todavia contém disposições que não podem ser aplicadas, por exemplo, os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais arrolados no art. 7º, IV, IX, XVIII etc., não teriam eficácia socialmente se as estruturas políticas atuais fossem mantidas, visto que seriam imprescindíveis certos mecanismos de pressão, que obtivessem maior participação na economia. Nestas hipóteses a norma constitucional terá eficácia jurídica (sintática), embora não possua a social (semântica), por não ser efetivamente aplicada, já que está desligada da realidade social. Surgirá, então, a lacuna ontológica. Para que não se opere essa modalidade de lacuna, a norma constitucional deverá refletir a realidade social, evitando-se, assim, o perigo de um desvio entre o social e o jurídico, que levada à sua ineficácia semântica por falta de sintonia com a coletividade, que conduzirá à sua inaplicabilidade

Leia mais: http://jus.com.br/artigos/90/normas-constitucionais-e-seus-efeitos#ixzz3ZIG9BE3Q (SANTOS, Luiz Wanderley dos. Normas constitucionais e seus efeitos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 26, 1 set. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/90>. Acesso em: 5 maio 2015.)”


Vejamos outro exemplo: Eis a redação do art. 802 e do art. 653, c, ambos da CLT:

Art. 653 - Compete, ainda, às Juntas de Conciliação e Julgamento: 

c) julgar as suspeições argüidas contra os seus membros;

Art. 802 - Apresentada a exceção de suspeição, o juiz ou Tribunal designará audiência dentro de 48 (quarenta e oito) horas, para instrução e julgamento da exceção.

§ 1º - Nas Juntas de Conciliação e Julgamento e nos Tribunais Regionais, julgada procedente a exceção de suspeição, será logo convocado para a mesma audiência ou sessão, ou para a seguinte, o suplente do membro suspeito, o qual continuará a funcionar no feito até decisão final. Proceder-se-á da mesma maneira quando algum dos membros se declarar suspeito.

§ 2º - Se se tratar de suspeição de Juiz de Direito, será este substituído na forma da organização judiciária local.


É que antes da Emenda Constitucional 24/99, que extinguiu a representação classista na Justiça do Trabalho, havia em cada junta de conciliação e julgamento um juiz do trabalho e dois vogais, sendo um representante dos empregadores e outro dos empregados.

Porém, atualmente tal procedimento não pode mais subsistir, pois não se pode aceitar que o magistrado de primeiro grau julgue sua prória parcialidade. Logo, há lacuna axiológica, pois a aplicação da CLT se mostraria injusta.

A solução encontrada foi utilizar o art. 769 da CLT conjugado com o art. 313 do CPC:

CLT: Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

CPC: Art. 313. Despachando a petição, o juiz, se reconhecer o impedimento ou a suspeição, ordenará a remessa dos autos ao seu substituto legal; em caso contrário, dentro de 10 (dez) dias, dará as suas razões, acompanhadas de documentos e de rol de testemunhas, se houver, ordenando a remessa dos autos ao tribunal.


O entendimento adotado é majoritário. Seguem julgados de Tribunais Trabalhistas pátrios:

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. COMPETÊNCIA FUNCIONAL. Com o advento da Emenda Constitucional 24/99, que extinguiu a representação classista no âmbito desta Especializada, o art. 802 da CLT não mais ostenta aplicabilidade e eficácia, na medida em que ninguém pode julgar a sua própria parcialidade, sob pena de patente ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal, pilares máximos da imparcialidade do órgão julgador na apreciação da lide, o que seria inconcebível caso o próprio juiz tido como suspeito decidisse sobre a sua parcialidade para atuação no processo. Assim, impõe-se a pronúncia de ofício da incompetência funcional para a análise da matéria, com consequente remessa das peças ao órgão competente para apreciação do incidente.
(TRT-18 58200900218004 GO 00058-2009-002-18-00-4, Relator: KATHIA MARIA BOMTEMPO DE ALBUQUERQUE, Data de Publicação: DJ Eletrônico Ano III, Nº 142, de 7.8.2009, pág. 16/17.)

RECURSO ORDINÁRIO - JUIZ DO TRABALHO DE PRIMEIRO GRAU - EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO - JULGAMENTO - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO - ARTIGO 313 DO CPC - APRECIAÇÃO PELA PRÓPRIA AUTORIDADE EXCETA - NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS PRATICADOS DE FORMA SUBSEQUENTE À OPOSIÇÃO DA MEDIDA - PROVIMENTO DO APELO. 1. Após o advento da Emenda Constitucional nº 24/99 - que extinguiu a representação classista na Justiça do Trabalho, em consequência do que os seus órgãos de primeiro grau perderam a composição colegiada -, tem-se por insubsistente a regra da legislação ordinária inserta no artigo 653, “c”, da CLT, segundo a qual a exceção de suspeição do juiz é julgada pelo próprio juízo impugnado, passando a incidir, assim, o normativo constante do artigo 313 do CPC - de aplicação subsidiária mercê do artigo 769 da CLT -, que confere essa atribuição ao Tribunal. Isso se justifica no fato de que, ao contrário do que ocorre com a exceção de incompetência, em que o litígio trava-se diretamen...
(TRT-6 - RO: 114900532009506 PE 0114900-53.2009.5.06.0142, Relator: Pedro Paulo Pereira Nóbrega, Data de Publicação: 11/07/2011)

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